O Andarilho da Alma



Em meio à fogueira das vaidades em um encontro de magos da palavra, feiticeiros do verso e andarilhos da alma o Bruxo Mor se levantou e disse: tragam a mim todas as suas magias, pois irei vê-las e a cada um darei uma nota. Todos entraram na fila trazendo não só as suas varinhas, cajados e punhais, mas também um enorme currículo de grandes feitos. Cada um foi mostrando para o outro o seu currículo com o intuito de obter palmas e elogios. Então, o mais aplaudido e elogiado entre eles, levou a sua mágica ao Bruxo Mor. 

Mago Yroshiro pegou sua varinha e vendo que todos estavam atentos, começou a fazer a sua mágica: transformou algumas palavras feitas em papel picado em um poema profundo, porém curto sobre o seus feitos escritos com pó de ouro em uma nuvem de fumaça. O Bruxo Mor comparou o que ele julgava ser o poema perfeito e nem se quer teve, o que julgou ser paciência, para entender a profundidade a que se referia, apontou o seu cajado e foi logo dando sua nota, como se fosse uma sentença de morte: - Por ser um poema pequeno, que mais parece palavras soltas no papel, te darei nota CINCO! Todos ficaram assustados com a baixa nota do poema o qual julgavam perfeito. 

O Bruxo Mor continuou pedindo para que o próximo viesse, com apenas um aceno, daqueles que se dá aos bichos os quais não temos apreço. Uma feiticeira bonita e bem vestida se apresentou: -Narcisa ao seu dispor! depois, pegou o punhal e retirou do peito o seu coração e o transformou em letras. Estas letras pairaram no ar formando um poema que expressava o seu sentimento mais profundo... pelo seu próprio umbigo: sua forma, seu tamanho, suas preguinhas... todos os detalhes estavam ali, naquele poema. O Bruxo, com cara de nojo, então falou erguendo o seu cajado: - Ah, que coisa mais piegas! Um umbigo! se ainda fosse o meu que é maior! Quem estaria interessado nesta absurda magia? Te dou nota TRÊS, falou o Bruxo cuspindo pequenas gotas de uma baba verde que teimou em ficar borbulhando no canto esquerdo de sua boca. 

Com medo das ácidas críticas do Bruxo Mor, a multidão de bruxos empurrou um andarilho da alma que trazia em sua túnica o pó dos caminhos que percorreu: desertos, pedreiras, asfalto. Ele não se apresentou, dirigiu-se ao Bruxo com o queixo erguido e com as próprias mãos fez sua magia: jogou no ar o pó dos caminhos percorridos, este mesmo pó se transformou em poesia, a cima da fogueira, suas palavras eram tão pesadas e o vento tão rápido que quando a magia acabou, a areia, o pó e o vento apagaram o fogo. O Bruxo Mor bateu o seu cajado no chão e pediu explicações: - Mas o que significa isso, fazer magia com sujeira? O andarilho levantou a cabeça, olhou para a plateia e justificou-se dizendo: - De nada servirão as palavras se não para mostrar os caminhos ocultos aos nossos olhos, de nada servirá a poesia se não tocar a nossa alma e coração e de nada servirá a magia se não for uma parte possível a cada um que a está presenciando. 
Desde então todos os bruxos, magos e feiticeiros daquela festa foram obrigados a viver como meros aprendizes da poesia, deixando o caminho das velhas ilusões de lado para viver nos vales estreitos da realidade. E dizem por aí que este andarilho continua infiltrado pelas festas e encontros de bruxos e feiticeiros, louco para apagar a próxima fogueira!  
              

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